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Estatais batem recorde de investimentos
Brasília, 18/12/2009 - As empresas estatais federais estão fechando 2009 com uma execução recorde do Orçamento de Investimento. Os números divulgados no início de dezembro, referentes ao quinto bimestre (janeiro a outubro), mostram que, dos R$ 79,9 bilhões programados para o ano, já haviam sido investidos R$ 53,6 bilhões pelas 68 empresas federais dos setores produtivo e financeiro.
É o maior volume de recursos executados para o período desde que o Brasil passou a ter uma moeda estável, há quinze anos. O que comprova que o setor estatal está mais robusto do que nunca e se consolidou como um dos principais sustentáculos da economia, colaborando firmemente para que o País saísse mais rapidamente da crise financeira mundial.
O economista Murilo Barella, diretor do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais – Dest, órgão integrante da estrutura do Ministério do Planejamento, não hesita em afirmar que essa era uma meta que ele perseguiu diariamente desde que assumiu o cargo, em julho de 2008. “Chegamos no olho do furacão, quando a crise estava atingindo a sua forma aguda. E conseguimos crescer, em média, 40% na execução, de bimestre a bimestre, diz ele.
Foto: Divulgação/Julio Cesar Paes
Agora, ainda com um ano para fechar sua administração, Barella está à frente de novos desafios, junto com a equipe do Dest, que este ano comemora 30 anos de sua criação. Entre eles, a criação do estatuto jurídico das estatais, como preconiza a Constituição Federal em seu artigo 173, até hoje não regulamentado.
A proposta a ser enviada pelo governo ao Congresso Nacional prevê, por um lado, a definição das diretrizes de organização e funcionamento da empresa, com práticas de governança que assegurem transparência total para a sociedade, critérios claros para composição dos Conselhos de Administração, Fiscal e Diretoria; e, por outro lado, a instituição de um novo regime de compras, que assegure à estatal federal a agilidade necessária para fazer face ao seu perfil de competição no mercado. O projeto de lei está em fase de finalização.
Nesta entrevista, Murilo Barella, além de fazer um balanço da atuação do Dest, fala também do futuro. Uma de suas preocupações é garantir que esse bom momento não se perca. Por isso, está buscando analisar a gestão estatal sob uma nova perspectiva. “Estamos debruçados numa série de metodologias para avaliar as empresas, afirma o diretor, que considera essa uma tarefa nada fácil. “Empresa estatal não é só mercado e também não é só Estado. Tem de cumprir uma função social, como qualquer empresa, mas tem de cumprir política pública também, define Barella.
HISTÓRICO
“O primeiro desafio foi motivar o pessoal. Ao chegar encontrei as pessoas um pouco desestimuladas e a primeira providência foi fazer o planejamento estratégico, procurando envolver todos os servidores. Como economista, eu tinha uma leitura das estatais, vi que estavam ganhando preponderância, seja por o setor privado não operar com longo prazo e o país precisar de investimentos desse tipo, seja também pela crise que estava se avizinhando. Os sintomas já eram visíveis, a crise do subprime (quebra do sistema hipotecário nos EUA) ocorreu em outubro de 2007 e chegamos ao Dest em julho de 2008. A forma aguda da crise, que chegou a atingir o Brasil, foi em outubro de 2008. Chegamos, portanto, no olho do furacão.
“E fizemos questão de deixar claro o papel do Dest com as estatais. A perspectiva que me passaram era que o Departamento estava com um caráter muito cartorial: as empresas chegavam, registravam o Orçamento de Investimento, ou o acordo coletivo de trabalho e só. Num momento de restrição orçamentária, de crise, precisávamos, no mínimo, de uma visão sintonizada para poder dar as respostas.
METAS
“Queremos deixar o Dest, ao final do governo, com todo o desenho de processos interno feito; com o novo Siest (o Sistema de Informações das Empresas Estatais, utilizado para a elaboração do orçamento das estatais) rodando e ampliado. O novo Siest não será apenas para Orçamento de Investimento, mas um sistema que dará suporte a toda a atuação do Dest.
GOVERNANÇA
“É antes de tudo um conceito de gestão: trabalhar com transparência e com um processo decisório claro. Parte da crise internacional derivou da falta disso. O acionista largava tudo na mão do gestor da empresa e só queria resultado. Ele tinha apenas alguns indicativos. O conceito de governança surge para deixar mais claro para esse acionista como está sendo gerida a empresa. Envolve controle,transparência, prestação de contas etc.
“E essa é uma parte que estamos incluindo na regulamentação do artigo 173 da Constituição, que trata da atividade econômica do Estado. Precisamos ter um regime estatutário padronizado, dizendo, por exemplo, que todas as estatais federais deverão ter assembléia geral, conselho de administração. Precisamos ter um mapa do processo decisório, um mapa de administração e um trâmite bastante claro e padronizado. E, precisamos, do outro lado, de um regime de compras mais ágil.
“Vamos fixar critérios para composição do conselho de administração, do conselho fiscal e da diretoria. Hoje, numa empresa como a Embrapa, por exemplo, para entrar no conselho de administração é exigido mestrado e vivência na área específica. Num banco como a Caixa, para ser diretor, exige-se que tenha gerido uma empresa com ativo mínimo de alguns milhões. E para entrar em algumas estatais não há exigência nenhuma, apenas idoneidade. O que estamos fazendo é definir critérios. Quais? Será que interessa ter mestrado? Não sabemos, talvez não precise, bastaria ter experiência de gestão numa empresa com ativo de tantos milhões.
“Vamos propor ao Congresso Nacional as grandes diretrizes, para todas as esferas de governo. O detalhamento vai se dar estatuto por estatuto, onde é preciso ter, necessariamente, os itens definidos: prazos de mandato, sanções, garantias para o gestor, entre outros.
“Outra coisa importante é que o Dest se manifesta nas Assembléias Gerais Ordinárias, onde podemos passar algumas diretrizes gerais de governança. Por exemplo: orientamos fortemente a desvinculação da remuneração do dirigente e dos funcionários da empresa. Isso ocorria até 2008 e conseguimos desvincular agora em 2009.
“Antes, se os funcionários tinham um ganho real de 8%, esse percentual era repassado automaticamente para a remuneração dos dirigentes. Agora, a remuneração da diretoria é definida em assembléia, e não num contexto de relação de trabalho. O dirigente tem de pensar é na empresa. Ele é estatutário, o servidor é celetista. Não faz sentido vincular.
NOVO REGIME DE COMPRAS
“As estatais, por estarem num regime de exploração da atividade econômica, precisam de um regime de compras que a lei 8.666/93 (Lei de Licitações) dificulta muito, trava e não permite o resultado esperado. Estamos, então, propondo que as estatais tenham uma forma jurídica muito similar ao que define a Lei das S.A. (lei nº 6.404/76). Vamos padronizar o estatuto nessa direção, compensando a flexibilidade nas compras com aprofundamento na transparência, controle eprestação de contas.
“A empresa vai ter de definir suas regras, aprová-las em conselho de administração e divulgar no Diário Oficial da União. Ela vai ter de dizer: as regras de compra são estas. E a avaliação será feita pelo TCU em função das regras definidas.
“O controle e o monitoramento não são excluídos. Só que a empresa estatal terá uma regra mais próxima da atividade dela. A Petrobras não pode abrir uma licitação para comprar, por exemplo, tubos de PVC, porque vai aparecer tubo feito numa esquina, um produto que não consegue suportar salinidade, pressão etc. E ela é uma empresa que tem três mil fornecedores por dia. Com o novo regime, ela vai poder definir as regras específicas para a compra. E isso será exclusivo para as grandes empresas e as do setor financeiro. As dependentes do Tesouro, como a Embrapa, por exemplo, continuam se submetendo à lei geral.
POLÍTICA DE PESSOAL
“O Dest está buscando que as empresas estatais façam acordos salariais com seus empregados por um prazo maior, de dois anos. Primeiro, porque houve uma queda substancial na inflação, que está por volta de 4% e continua caindo. Segundo, porque os Planos de Cargos das estatais, hoje, já definem critérios de evolução na carreira. E também porque há um crescimento vegetativo médio em torno de 1% ao ano da folha de pessoal.
“Temos algumas negociações que vêm durando até seis meses e nesse período a empresa fica travada. Isso não é bom, ainda mais num momento em que as estatais precisam olhar outras coisas também, não só a questão de pessoal. Se estivéssemos numa situação de total precariedade nas estatais, até seria possível nos dedicar mais a essa questão. Mas não é o caso.
“Antes de entrarmos nessa estratégia dos dois anos, foram reestruturadas as carreiras. Em paralelo à queda da inflação, em paralelo ao crescimento vegetativo, temos também planos de cargos eficientes. E negociar a cada dois anos dá um fôlego para as administrações se dedicarem a outras situações. Elas precisam disso. Não dá para, todo ano, se dedicar por seis meses a um processo negocial, porque cria aquela expectativa no corpo de servidores, parte da administração fica voltada para isso, algumas coisas ficam aguardando.
INFORMAÇÃO
“No aspecto informação, estamos subsidiando os conselheiros. Eles têm sistematicamente informações de execução do Orçamento de Investimento da empresa. Estamos na segunda publicação do Relatório Anual e do Perfil das Estatais, com todas as informações de composição acionária e de diretoria. É um esforço de transparência. Além de estar ao dispor da sociedade, na internet, estamos enviando mala direta, colocando a informação nas mãos dos estudantes,nas universidades, nos governos estaduais e para quem solicitar, em todo o mundo. A biblioteca do Congresso Nacional, por exemplo, pediu toda a série, desde 1979.
“Este ano comemoramos os 30 anos do Departamento e fizemos também uma edição consolidada do Prêmio Dest, com todas as monografias premiadas, desde2005. Isso também está indo para bibliotecas, para o meio acadêmico etc.
“Estamos desenvolvendo com o Serpro uma ferramenta eletrônica, um site para captar as informações diretamente das estatais, das assessorias de imprensa, e redistribuir para os conselheiros de administração. A idéia é que os conselheiros possam saber de todas as estatais, não só da dele. E que tenham as informações diretamente da fonte, sem o tratamento jornalístico, que às vezes pode não ser o mais adequado para um conselheiro de administração.
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
“O governo está conseguindo acertar uma série de pendências que as patrocinadoras (as empresas estatais) tinham com relação aos seus fundos de pensão. E isso passa pelo Dest. Qualquer relação entre patrocinadora e fundo o Dest monitora. Por exemplo: se for mudar o estatuto, se mudar as regras dos benefícios, tudo isso passa por aqui. Nós nos manifestamos junto com a Secretaria de Previdência Complementar. A determinação é acertar a situação, resolver todos os problemas, de inconsistências, de repasses etc. E isso é importante, pois são questões estruturais, profundas, que o governo vem encarando com disposição de resolver.
ORÇAMENTO DE INVESTIMENTO
“As estatais bateram um recorde histórico no fechamento do quinto bimestre do Orçamento de Investimento, com a execução de R$ 53,6 bilhões. Desde o começo do ano, nós identificamos que houve uma aceleração nos investimentos realizados. Na verdade, o pessoal vinha numa curva de aprendizagem, pois as estatais ficaram anos sem investir, exceto Petrobras. ‘Fazer obras? O que é isso?’ A Infraero, por exemplo, confessou isso para a gente.
“No primeiro mandato do governo Lula, mais ou menos até 2006/2007, havia estatais até com perspectiva de privatização. Pelo menos não tinham uma definição clara de que iriam continuar no sistema estatal. A Eletrobrás, por exemplo, não construía uma represa há quanto tempo? Com a criação do PAC elas foram chamadas a cumprir um papel e deram sua resposta.
“Até então, muitas estatais brigavam pelos valores do Orçamento de Investimento, mas acabavam não executando. Começamos, então, a apertar, via conselhos de administração. Enviamos ofícios aos ministérios supervisores, às estatais e para a Casa Civil, alertando: ‘O nível de execução está baixo, está aquém do orçado, favor verificar’. Vimos, então, quais eram as necessidades das empresas, e conseguimos avançar. A partir de 2008, de bimestre a bimestre, começamos a crescer, em média, 40% no volume de recursos investidos. Por isso que conseguimos, agora, quase dobrar a execução orçamentária: de uma realização de R$ 38,2 bilhões, no quinto bimestre de 2008, para R$ 53,6 bilhões. E ainda vamos dobrar.
GESTÃO
“Reputamos uma parte desse recorde à experiência, pois as empresas tiveram que reaprender a investir. Outra se deve ao estímulo. Foi dito a elas: façam, vocês têm espaço para isso. E uma terceira parte, à gestão. Ainda tem muito de melhorar? Com certeza, muito mesmo. Canso de ouvir reclamações de empresas que pedem: ‘Por que não posso dar um aumento X aos servidores, se tenho dinheiro?’ A resposta é esta: esse dinheiro não é da empresa, é público. E a prioridade não é gastar com custeio, mas com investimento. O gasto com pessoal já foi feito, não tem mais gente desmotivada, a hora é de dar resposta.
“Em resumo, há muito ainda a melhorar em termos de gestão, mas também já melhorou muito. Exemplo disso é a Companhia Docas de São Paulo. Santos, que é o maior porto do país, vinha de uma capacidade de execução muito baixa, em torno de 30% ao ano. Agora em 2009, está muito perto dessa média de 67% (desempenho alcançado no quinto bimestre pelo conjunto das estatais).
“Outro aspecto relevante é que praticamente 80% dos recursos utilizados são próprios. Isso é um fato que diferencia completamente a situação atual de qualquer outra, mas, principalmente se compararmos com a época do“desenvolvimentismo cujo crescimento foi fundamentado em dívidas.
Isso é a resposta das estatais à crise. E tem efeito multiplicador. Quando a Eletrobrás e a Petrobras descentralizam os investimentos, tiram do eixo Rio/São Paulo e levam para o Norte/Nordeste, geram um efeito multiplicador imenso. Isso implica em mais fornecedores de matéria-prima, de comida, de transporte etc.
INOVAÇÃO
“Este é outro papel importante das estatais em que o Dest também está atuando. Em geral, as grandes estatais têm sua área de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Nosso setor elétrico, por exemplo. Tem boa qualidade porque existe um setor específico, o Cepel (Centro de Pesquisas de Energia Elétrica), desenvolvendo melhorias. Para suportar nossas intempéries, de chuva a calor extremo, o setor elétrico precisa desenvolver tecnologia própria, é preciso material que aguente isso.
“A Petrobras, graças ao Cenpes, o seu centro de pesquisas, consegue desenvolver tecnologias que lhe permitem até fazer perfuração em poços do pré-sal. São tecnologias nossas, não existem em outro lugar. Temos também as pesquisas da Embrapa, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre... E toda essa tecnologia desenvolvida nas estatais não pode ficar isolada, tem de vazar para a economia. Por isso, criamos um fórum de inovação para ver o que elas têm de maduro, as melhoras práticas, para transferir para a economia. Um dos caminhos para isso é a relação com os fornecedores. A Petrobras, por exemplo, vai precisar de vários fornecedores para o pré-sal.
“Mas o fórum foi criado para discutir vários outros caminhos, à luz da Política de Desenvolvimento Produtivo, da Lei de Inovação (lei nº 10.973/2004), à luz da Lei do Bem (lei nº 11.196/2005) e das definições colocadas nas diretrizes de política tecnológica do Ministério da Ciência e Tecnologia. Vamos ver como as estatais colaboram em relação a isso. Não é um espaço de formulação, é mais uma instância de execução.
AVALIAÇÃO E LIQUIDAÇÃO
“Esta é uma área importante para tomada de decisão. É algo recente, veio junto com área de Liquidação (o Dest também coordena os processos de liquidação de empresas estatais). E só temos uma empresa em liquidação atualmente, a Codebar, Companhia de Desenvolvimento de Barcarena, no Pará. Até fevereiro ou março estará concluído o processo e restará apenas a gestão de acervo. Aí entraremos num novo momento, o de avaliação do setor estatal. E avaliar empresa estatal não é algo trivial. Ela não é só mercado e também não é só Estado. Tem de cumprir uma função social, como qualquer empresa, mas tem de cumprir política pública também.
“Estamos então debruçados numa série de metodologias capazes de avaliar isso.Por exemplo, um programa como o Luz para Todos. Foi cumprida satisfatoriamente sua função social? Sim, tinha de cumprir, mas a que custo? Foi o menor custo possível? Foi barato para a sociedade o atendimento dessa necessidade social? Esse é o desafio: como avaliar. Vamos verificar uma série de indicadores, a relação com o meio ambiente, com as pessoas, ver como a estatal está sendo gerida, ver onde pode melhorar.
“Isso porque a perspectiva de superávit primário, um dos pontos em que nós apertamos as empresas e exigimos contrapartida, parece estar escapando. Talvez só façam mais este ano. Hoje, quando identificamos pontos a serem corrigidos, o principal instrumento é o Orçamento de Investimento. E precisamos que no próximo mandato, seja quem for o governo, haja outros pontos de controle.